terça-feira, outubro 01, 2013

A Doença Do Cinema


Levo uma vida dupla e meu doppelgänger é cinéfilo. Sou neta de Woody Allen, vivo em um filme de Sofia Coppola, considero Kieslowski um gênio e tento seguir o Decálogo. Sempre assisto a filmes com segundas intenções. Não vejo a sétima arte apenas como um lazer, ela vai muito além disso, é o ponto de convergência de todas as outras artes, é fonte de conhecimento e poço de catarses.

Sou a bela da tarde, virgem suicida, pequena miss sunshine, Frida Kahlo sem monocelha, Afrodite poderosa e, às vezes, ondine.  Sou uma excêntrica Tenenbaum mais estranha que pulp fiction, pois faço parte da geração Prozac e sou a noiva cadáver do pirata do caribe. Sou uma boneca russa e, dentro de mim, há várias pétalas de magnólia’s.

Já comi chocolate na fábrica e morangos nos dedos de Amélie. Quando encontrei a Terra do Nunca, comi tomates verdes e fritos. Já visitei o estranho mundo de Jack e Leland e vi todas as maravilhas do país de Alice. Lá eu vi mãos em forma de tesouras, marchei com os pinguins e descobri que as palavras têm uma vida secreta.

Corra Louise, corra para ouvir as histórias de Forrest ao som da ópera do fantasma, o réquiem para os sonhadores. Cheguei, encontrei, desencontrei, parti. Fui dançar no escuro em Dogville.

No meu quarto tem uma janela secreta. Sou voyeur e espiei Lúcia fazendo sexo em uma boogie night.

Já peguei Don Juan Demarco, mas eu o abandonei. Eu tinha um amante no círculo polar e passei nove e meia semanas de amor com ele. Fazer o que, sou libertina!

Brinco de bem-me-quer-mal-me-quer com os meus filmes. Nunca sei que filme volver, as horas passam, mas gosto dessa liberdade porque ela é azul. O lugar pouco me interessa. Pode ser num lugar qualquer, num albergue espanhol ou numa casa de bonecas e tanto faz se for antes do amanhecer ou do pôr do sol. Aí eu viajo para a lua de fel num céu de veludo azul, até que a minha leveza fique insustentável.

Andei com más companhias, fui ao clube da luta, virei uma laranja mecânica e isso foi fatal! O vento levou todos os meus filmes para Casablanca! Que mundo cão do inferno! Meu coração entrou em conflito, sou uma noiva nervosa, deixei meu noivo neurótico e sua mãe também está à beira de um ataque de nervos. Fale com ela, não podemos ceder a esta adaptação. Minha carne está trêmula, ata-me, antes que eu enfie a minha cabeça na guilhotina que nem Maria Antonieta.

Sinto-me numa estrada perdida, uma estranha no ninho presa em um escafandro e vivendo a minha vida sem mim. Minha beleza americana foi roubada! Então descubro que estava sonhando acordada. Tive um devaneio! Agora consigo ouvir novamente o som do meu coração.

Sou altamente fiel ao Cinema Paradiso e o meu amor por ele pesa muito mais que 21 gramas. Ele é minha vida e tudo isso é Supercalifragilisticexpialidocious!

E viveram felizes para sempre. PIII

The End

quinta-feira, agosto 22, 2013

Gráfico Do Crescimento


Saudade de quando éramos vagabundos. O tempo sobrava e a única dificuldade era financeira. 

Saudade de interesses mútuos, da vivacidade, da liberdade, da falta de empecilhos e da virtualização em pequena escala.

Saudade de quando o ânimo despertava e o corpo reagia. Hoje nossos corpos são frágeis. Esqueletos de vidro. 

O gráfico do crescimento é tão irônico. E brusco!


domingo, junho 09, 2013

Meu Crime


Cometi um crime hediondo. Pratiquei um homicídio culposo e, com isso, arruinei o meu patrimônio mais precioso: a minha vida.

Meu advogado de defesa me ludibriou, aquele falsário! Apresentou-me vários álibis, mas lá no fundo, eu sabia que teria que pagar pelo meu erro equivocado e estúpido. Pratiquei tal ato porque fui coagida, estava no meio de um labirinto. Como não achei a saída, o tempo me pressionou, então fui obrigada a abrir um caminho a machadadas. E o inferno começou.

Fui condenada a oito anos em regime fechado. Fui submetida a torturas programadas, choques elétricos e lavagens cerebrais, sendo que dessa última, eu sempre conseguia escapar. No presídio fiz alguns amigos e os levarei para sempre comigo. Assim espero.

O dia mais feliz foi quando cumpri toda a minha sentença e recebi o meu certificado de liberdade. Enfim, alforriada!

E agora, o que eu faria com toda essa liberdade grandiosa que finalmente recuperei? Pois bem. Senti a necessidade de passar por um período sabático, a fim de recuperar o equilíbrio perdido ao longo daqueles anos. Não se tratava de um estado letárgico nem catatônico. Eu precisava alinhar os meus chacras e limpar a minha aura. Precisava de momentos pacíficos para criar coragem e lidar corretamente com a minha vida, sem causá-la danos irreversíveis.

quinta-feira, maio 16, 2013

Devaneios


Quando criança, olhava para o céu e insistia em subir numa super escada para adquirir um pedacinho azul, como se o céu fosse um enorme bolo que pudesse ser fatiado facilmente.

Sempre quis apalpar o céu. Queria caminhar sobre o mar com sapatinhos mágicos para tocar a imensidão celestial e as nuvens fofas, mas no âmago do seu pequenino ser, sabia que era impossível.

O nível do mar era assustador, temia cair e afundar como se tivesse uma enorme bola de ferro amarrada aos seus pés. Não queria ver os peixes iluminados, tubarões e outros animais estranhos.

Gostava de cavar com os pés. Espalhava areia feito um cão faminto procurando o osso enterrado. Aquilo não era uma busca e sim uma descoberta, pois acreditava que tinha um final como tudo na vida. Obviamente, não tinha e o ato de cavar apenas aguçava a sua hiperatividade.

Um dia, a criança cresceu e o desgosto apareceu. Todos os castelos de areia foram destruídos. Nada mais daquilo lhe era atrativo, a praia virou um ambiente desnecessário e fétido. Um poço para insolação e câncer de pele. E então, veio-lhe um devaneio. Por que não substituir a praia por um local mais agradável? No lugar do mar, lindíssimos lagos com vários cisnes. Cisne negro, cisne branco, todos bem pescoçudos e elegantes. A areia seria coberta por um extenso gramado de um verde fabuloso, de encher os olhos. Árvores por todos os lados, cerejeiras e afins. Flores de todas as tonalidades e bem perfumadas. Bancos espalhados para que as pessoas pudessem ler, ouvir música, meditar e relaxar. O momento chill out de cada dia. 

Agora existe somente a velhice.

 

sábado, abril 27, 2013

Animalização

Mostraram os dentes.
Rosnaram.
Dilaceraram um vínculo.
Deram as costas.
Adeus.

Cada um seguiu o seu caminho congelado. Quão perigosa é a animalização.

sábado, abril 06, 2013

A SAGA PÁSSARO


Capítulo IV - Adeus, Pássaro!

É, o pássaro foi embora mesmo e acredito que não voltará. Não tive coragem de fechar a janela da minha varanda. Fui covarde, reconheço, ou talvez eu ainda tivesse esperança de que ele voltasse a ser como antes, uma ave adorável.

Lembro do primeiro dia em que vi o pássaro. Adentrou minha varanda bem tímido e desconfiado. Fiquei encantada com aquela visita ilustre e decidi cativá-lo. Dei atenção, carinho, alpiste e água. Nunca o coloquei em uma gaiola, seria uma postura altamente egoísta da minha parte.

Ele partia, é fato, mas me visitava com frequência. Adorava quando ele me acordava com seu belíssimo canto. Às vezes ele desafinava e eu caia na gargalhada. Ele levava tudo com bom humor e sorríamos juntos. Ficamos bastante próximos e construímos uma amizade bonita e por que não sincera?

Estava tudo muito lindo para ser verdade e coisas desagradáveis começaram a acontecer. O pássaro começou a ficar insubordinado e suas cantorias tornaram-se insuportáveis. Comia e sujava a minha varanda. Isso quando me visitava! Suas visitas tornaram-se cada vez menos frequentes. Achei tudo isso uma falta de consideração e de educação tamanha. Aí eu explodi! Depois disso, ele parou de me visitar. Não vou negar, fiquei aliviada por ter me livrado da tormenta, mas admito que sinto saudades do meu amigo pássaro. Sei que ele não vai voltar e, sinceramente, não quero que ele volte. Não fechei a porta da varanda, pois ela estará sempre à disposição de outros pássaros e demais visitantes. Eu fechei a porta da minha vida para aquele pássaro. É preciso saber dizer adeus.